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29/9/2016 - Campinas - SP

Karnal fala de utopia na universidade




da assessoria de imprensa 

A universidade é um espaço de conhecimento, utopia e democracia que enfrenta, com o avanço de tendências conservadoras na sociedade, um crescente número de inimigos. “Nunca a universidade teve tantos inimigos políticos como nesse momento e tudo leva a crer que essa guinada conservadora vá se estender por vários anos. O ‘lado bom’ disso é que com tanta gente nos olhando e criticando teremos que ser melhores. É hora da gente dar uma resposta muito eficaz e mostrar o valor de uma grande universidade pública”, afirmou o historiador Leandro Karnal, convidado da sexta edição do Simpósio de Profissionais da Unicamp (Simtec).

Professor da Unicamp, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), Karnal palestrou na tarde de terça-feira, (27), no Centro de Convenções da Unicamp. Fez uma reflexão sobre o tempo e sobre a história, tendo como pano de fundo os cinquenta anos da Unicamp. O professor começou falando do prazer de estar na “sua” universidade. Passado, presente e futuro da instituição foram objeto de muitas colocações de Karnal que, com bom humor, a todo momento trazia o debate para a vida cotidiana das pessoas.

Ele começou a palestra falando sobre a origem da Universidade. “Somos uma instituição da década de 60, gerida a partir de uma área médico-biológica. A Unicamp foi criada num regime democrático, num ambiente de reformas de educação muito importantes, período de propostas educacionais revolucionárias e leis muito importantes e já iniciada sob o signo do fechamento, do autoritarismo e do fim das liberdades democráticas”.

Segundo Karnal a Unicamp começa “exatamente como ela está hoje”, num momento de polarizações e crise econômica, com a diferença de estar afastada dos centros onde a agitação maior ocorria. Há uma mudança significativa no país neste momento, que é a passagem de uma população predominantemente rural para as cidades. "A Unicamp vive esse momento de transição que vai resultar na diminuição de filhos por casal e diminuição do ritmo de crescimento do País”.

A partir dessa mudança, Karnal passou a falar das gerações de alunos que frequentam a instituição. A primeira delas, de nascidos após a Segunda Guerra, até 1964, “geração do baby boomer, que viveu uma esperança enorme de desenvolvimento nos anos JK”. Esta geração foi educada tendo o trabalho “quase como uma obsessão” e viveu no Brasil um momento de estabilidade e crescimento econômico. Depois veio a geração X, de nascidos até os anos 1970 “muito mais individualista e acostumada a benefícios”, seguida da geração Y, de nascidos até o início do século 21 e já plenamente tecnológica, voltada à conexão.

Entre o modelo de ensino que receberam e que estão acostumados boa parte dos professores da geração baby boomer e a geração Y, há um hiato de três séculos como explicou o professor. “É o caso de professores nascidos e, quase sempre, educados como eu, no século 20, dando aulas para alunos nascidos no século 21, alguns deles preparados para atuar no século 22”. De acordo com Karnal as escolas são baseadas num modelo de pedagogia que determina uma aula formada por giz, professor e conteúdo a ser aprendido, tendo a ordem como eixo. O problema desse hiato de três séculos, afirmou, é que hoje “temos professores que ainda anseiam pela ordem e pelo conteúdo e alunos que não estão mais aptos ao modelo de aula expositiva”.

Áreas do conhecimento
Para Karnal, um dos desafios que a universidade enfrente hoje é a perda do diálogo entre as várias áreas do conhecimento. “A origem da Unicamp é a área médica, mas naturalmente, como todo instituto superior, ela é um debate permanente entre com as humanas e exatas. Uma universidade é concebida para ser um contato entre áreas diversas de conhecimento por isso é uma universidade e não uma faculdade”.

Ele ensinou que, quando, na Idade Média, se concebeu “que as três grandes áreas do período histórico: medicina, direito e teologia, deveriam compartilhar o mesmo espaço foi porque se achava que aos médicos seria importante ouvir sobre leis e teologia e seria importante, aos teólogos, ouvir sobre medicina e sobre leis e seria importante a todos integrarem o sistema”.

O historiador lamentou que a universidade esteja perdendo isso porque em geral, ressaltou, nós convivemos com colegas de outras áreas em decisões burocráticas, não em produção de conhecimento, e "o mundo contemporâneo exige essa integração, gente que tenha uma especialidade, mas que navegue por várias áreas”. Karnal complementou, exemplificando: “falta a nós historiadores, filósofos, antropólogos, cientistas políticos um pouco da objetividade da engenharia e falta aos engenheiros uma pouco da subjetividade da área de humanas, acho que os dois lados cresceriam muito”.

Pessimismo
O presente dominado pela crise econômica e política é marcado pelo pessimismo. “O pessimismo dominante é a marca do momento que estamos vivendo”, observou. O professor sintetizou que “uma parte importante do país está convencida que a outra parte é criminosa e não serve ao bem do país. Uma parte importante do país não reconhece na outra parte, o estatuto da brasilidade ou da cidadania”. Muitas pessoas, nesse momento não estão mais ouvindo ninguém “apenas estão colocando seu ódio”.

O problema é que, de acordo com o professor, o pessimista não age. Ele é parte do problema mas não de sua solução. Foi nas Olimpíadas e Paralimpíadas, quando todos achavam que tudo ia dar errado e deu certo, que Karnal afirmou ter “começado a notar” que estava excessivamente pessimista, talvez influenciado por textos das redes sociais. “É preciso usar as redes homeopaticamente, é preciso restaurar o equilíbrio, da discussão, do argumento, de vida. Decididamente está faltando equilíbrio das pessoas em quase todos os campos”.

Futuro
Na trajetória para os próximos cinquenta anos de Unicamp o professor arriscou um exercício de "futurologia". O cenário futuro é de declínio da população brasileira. Em 30 anos o Brasil pode se tornar um país similar a Europa na quantidade de pessoas mais velhas recebendo aposentadoria, enquanto há menos jovens em idade de trabalhar.

Isso significa que ainda nas próximas três décadas a Unicamp ainda estará recebendo muitos alunos. Depois a hipótese é de que o número de ingressantes na graduação diminuirá. “Pode ser que haja um encolhimento das universidades que a partir dos anos 80 se expandiram enormemente”.

Neste cenário, com mais pessoas mais velhas, aumentará a procura por qualificação. “Deveríamos pensar em muitos cursos de qualificação, cursos a distância e cursos voltados a profissionais já formados”, salientou.

Para chegar bem no futuro ele considera que a instituição não pode se deixar levar por seu sucesso e precisa pensar estrategicamente. “O fato de sermos produtivos, de estarmos entre os melhores do pais, de sermos uma referência é nosso problema hoje”, refletiu. Karnal defendeu a lei das cotas raciais, e afirmou ter visto alunos negros em cursos de Medicina, o que lhe pareceu o início da superação de um problema.

O historiador disse ainda que a Universidade precisa aumentar sua visibilidade.  “Para que as pessoas entendem que a ciência brasileira depende exclusivamente das universidades públicas, ou dos laboratórios públicos. A ciência brasileira não cresce nas instituições privadas. A pesquisa, os avanços que melhoram a vida das pessoas, as patentes, tudo sai da universidade pública”.

Aumentar a visibilidade da instituição é um desafio assim como a internacionalização. Karnal defendeu que a Unicamp precisa estar cada vez mais focada no mundo, falando inglês mas sobretudo, a serviço do conhecimento. “Minha existência aqui é irrelevante. A universidade deve ser um espaço do conhecimento, eu, um professor; os funcionários, todos nós servimos a causa do conhecimento”.

O professor terminou a palestra falando que a universidade é um laboratório da democracia, um espaço onde o autoritarismo deve ser especialmente combatido. “Num mundo de crescentes radicalizações antidemocráticas a universidade tem que reforçar a democracia, no espaço de trabalho, nas congregações nos conselhos universitários e assim por diante”. E também precisa ser um espaço de utopia. “Não sei onde nós estaremos no futuro, mas sei onde eu gostaria que nós estivéssemos, nesse patamar da utopia. Quanto mais ela existir melhor”.

Homenagem
Depois da palestra de Leandro Karnal o Simtec homenageou os funcionários aposentados, indicados pelas unidades e órgãos. Os funcionários ganharam uma exposição de pôsteres autobiográficos, que foram colocados no Ginásio Multidisciplinar da Unicamp. Um dos homenageados foi o jornalista e escritor Eustáquio Gomes, que faleceu em 2014. Eustáquio criou a Assessoria de Imprensa da Unicamp e é autor do livro O Mandarim, a história da infância da Unicamp. Sua mulher Vera Lúcia Gomes,  e a filha Lalinka Teixeira Gomes receberam a homenagem.



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